A CASA DO
ENFICADO
Como poderia imaginar que um dia alguém iria lembrar daquela
lendária história que parecia ter perdido-se no tempo. A história deixa marcas
no tempo, marcas que não se apagam, são feridas que cicatrisam-se. Uma coisa ou
outra parece ficar esquecida, no entanto
as vozes dos mais antigos ecoam
como em conchas acústicas e se
propagam como nas ondas dos rádios, e o
velho ditado prevalece, só sei que foi assim.
Ao comemorar-se aquele dia
os adultos falavam em conciencia, as crianças ouviam atentamente o sermão
do vigário que falava da liberdade e em
favor da vida, da luta contra a descriminação racial, falava de luta de classes
e lembra como os negros foram massacrados pelos seus senhores nas antigas senzalas, debaixo de
chicotes e trabalhos forçados. Foi bem ali naquele terreiro, onde só haviam as
marcas profundas do sofrimento no tronco.
Embora com suas estruturas bastante comprometida ainda mantia-se de pé o
símbolo do poder dos senhores da terra, do gado e dos escravos. Estava bem ali, diante dos olhos das pessoas, um patrimônio histórico sem
dúvida, o velho casarão do Sr. Barão de Aquiráz, um casarão que certamente fora
erguido pela mão de obra escrava, que fora tão belo no passado, digamos que de
passagem, símbolo da força e do poder
estava alí ainda de pé, em ruínas e frágil, sem força, abandonado, aparentimente
sem sentido nenhum. Quem diria, que a famosa residência do Barão um dia seria
esquecido pelo próprio tempo, tão belo e tão robusto, tão cheio de lendas, com tantas histórias pra contar. Uma
dessas histórias ainda é contada pelos mais antigos e repetida pelos mais jovens. A veracidade desse conto, está bem ali diante
de nossos olhos, no terreiro da casa do Enficado. Uma enorme rocha, bem próxima
de sua apoteótica obra ou seja, seu belo palacete com uma enorme pedra que
supostamente serviria como um dos degraus da casa bem na parte da frente embelezando
mais ainda aquela monumento em que
todos os serviçais se curvavam, sentiam-se cada vez mais impotentes
diante de tamanho poder.
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Adicionar legenda |
Naquele dia o Barão de Aquiraz ordenou ao seu capataz, o
carrasco aquele que amedrontava e maltratava os escravos com suas ameaças e a
ponta do seu chicote, a ordem seria que
escolhido o mais forte, robusto e corajoso negro a pegar a enorme pedra
sem ajuda de nenhum outro companheiro e a conduzisse até a varanda da casa do
Enficado. Ele queria com isso a todo
custo que essa fosse a pedra que serviria de degrau para aporta de entrada do
casa grande. A gigantesca rocha ficava
bem distante da residência do do Barão, de tal forma que nenhum ser humano seria
capaz de conduzi-la até a varanda do Enficado. Más o Barão não queria demonstrar nenhuma fraqueza diante do seu
poder, mesmo reconhecendo que seria impossível tal proeza, não deu ouvidos se
quer a Baronesa e a a Sinhá Moça que
embora fizessem parte de todo aquele complexo tinham sensibilidade o bastante
para compreender a o ato de desumanidade
e crueldade que ali estava sendo
aplicado com aquele ser humano. O Barão não era homem de duas palavras, para
ele voltar a traz seria uma demonstração de fraqueza perante toda a senzala e
seus subalternos uma desonra na verdade. O jovem negro fez-se forte em sua ação,
cumpriu naquele momento perante seus irmãos uma atitude coragem e confiança em
si mesmo, em nenhum momento fraquejou e muito menos humilhou-se perante ao
patrão, não implorou clemência, ergueu a
enorme pedra e cambaleando a carregou lentamente ao terreiro da Enficado, mesmo sobre as ameaças
do carrasco, sentia-se cada vez mais
mais forte, de maneira covarde e cruel o negro foi espancado e algumas vezes parecia que ia tombar, cair e
não mais levantar.Diante dos seus irmãos sentia-se um glorioso guerreiro. Todos o admiravam e ao mesmo
tempo sofria tanto quanto ele naquele
martírio interminavel. Apesar de tanta força e coragem o pobre escravo não
suportou tamanho sofrimento e ao
aproximar-se da varanda da casa grande perdeu
toda as suas energias, tombando diante
dos olhos do patrão, cambaleou, não suportou o peso da pedra que ao cair deu o último suspiro. Conta=se que a
enorme pedra caiu junto com o jovem escravo sobre o seu corpo, ficando sobre
ele as marcas da crueldade do Barão. Simbolizada pelo peso da grande rocha e a força do seu patrão não o
fez fraco naquela ocasião. Conta-se que o escravo morreu debaixo da pedra e que
após o acontecimento aquela pedra nuca foi removida e até hoje permanece
no mesmo lugar junto ao corpo do escravo, está lá pra quem quiser ver, é
só ir lá para conferir. Eu ainda não vi
não, mas te digo com toda franqueza, a casa do Enficado existe, foi o símbolo
do poder dominante da época, más a pedra também existe, ele é o símbolo da
resistência do escravidão, do negro da época e de hoje, todo dia é dia de
consciência negra.
Assaré,03 de dezembro
de 2009.
Cleodon de oliveira
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